EXPERIÊNCIA DE UMA EQUIPE DE REFERÊNCIA NO TRATAMENTO DE FERIDAS DURANTE A ASSISTÊNCIA AOS USUÁRIOS INTERNADOS POR COVID- 19
Resumo
INTRODUÇÃO A ferida cutânea pode ser definida como qualquer ruptura na integridade estrutural e funcional da pele. Ademais, a cicatrização de refere-se de um processo fisiológico composto de eventos celulares coordenados para restaurar estes tecidos lesados(1). Além dos aspectos fisiológicos, a ocorrência e a cicatrização de feridas, envolve elementos multidimensionais, clínicos e não clínicos(2). No que tange à COVID-19, observa-se que o mecanismo intrínseco da doença afeta as estruturas alveolares e vasculares e causa um mecanismo de hipoxigenaça?o periférica, que leva a uma isquemia tecidual periférica. Ademais, é frequente dentre os pacientes internados por esta condição de saúde, quadros de instabilidade hemodinâmica, alterações laboratoriais, nutricionais, ventilatórias, necessidade de uso de sedativos, bloqueadores neuromusculares, drogas vasoativas, assim como o uso de dispositivos invasivos. Tais condições precipitam a ocorrência de lesões de pele ou dificultam sua reparação(3,4). OBJETIVO Apresentar a experiência de uma equipe de referência no tratamento de feridas, durante a assistência aos usuários internados por COVID- 19, em um hospital de alta complexidade. MÉTODO Trata-se de um estudo descritivo, de natureza qualitativa, do tipo relato de experiência, que versa sobre a experiência de uma equipe de referência no tratamento de feridas durante a assistência aos usuários internados por COVID- 19, em um hospital de alta complexidade do Sistema Único Saúde (SUS), no estado do Rio Grande do Norte (RN). O estudo está registrado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com o parecer consubstanciado de número 61761922.1.0000.5537. RESULTADOS A equipe de referência tratamento de feridas, relatada no presente estudo, está inserida em um hospital de alta complexidade do RN/Brasil. Este serviço, oferta de serviços em diversas especialidades clínicas-cirúrgicas, à pacientes em diferentes ciclos de vida e complexidades assistenciais. Possui em sua estrutura consultórios ambulatoriais, salas de cirurgia, centro de diagnóstico por imagem, 242 leitos de internação, entre leitos-dia, de enfermaria e terapia intensiva. Em março 2020, período em que se iniciou a pandemia da COVID-19, a unidade hospitalar tratada no presente estudo, esteve responsável pela retaguarda à rede de atenção à saúde (RAS) do estado. Destarte, admitiu pacientes não infectados pelo SARS-COV-2, transferidos de outras instituições de saúde do estado do RN, com o objetivo de permitir a disponibilidade leitos de dos outros serviços aos usuários infectados pela COVID-19. A partir de junho de 2020, passou a realizar internamento de pacientes infectados pela COVID-19, em leitos enfermaria e unidade de terapia intensiva (UTI). O contexto pandêmico trouxe múltiplas mudanças ao perfil do paciente atendido nesta unidade hospitalar bem como em suas rotinas assistenciais. Seus usuários, majoritariamente crônicos, com múltiplas morbidades apresentaram agudização e agravamento de seus quadros clínicos, em função da fisiopatologia da COVID-19. Nesta perspectiva, a equipe de referência no tratamento de feridas do hospital identificou entre pacientes com COVID-19, situações que interferiram diretamente no processo de cicatrização, dentre os quais, instabilidade hemodinâmica dos pacientes internados em leitos de UTI, a necessidade do uso de altas doses de drogas vasoativas, sedativas e bloqueadores neuromusculares, prejuízo na oxigenação tecidual, comprometimento nutricional, edema tecidual, uso de suporte ventilatório invasivo e imobilidade, precipitada por vezes pelo reposicionamento do paciente. Ademais, a necessidade de suporte a diversos sistemas fisiológicos evidentes na COVID-19, os pacientes internados no nosocômio durante a pandemia, fizeram uso de múltiplos dispositivos médico-hospitalares por tempo prolongado, a exemplo dos utilizados na oxigenoterapia não invasiva (catéter nasal, máscara de Venturi, máscara não reinalante, ventilação mecânica não invasiva) e invasiva (tubo orotraqueais); para promover a nutrição adequada (sondas enterais ou gástricas); e para garantir diurese e monitoramento hídrico (sonda vesical de demora). Outros dispositivos como drenos, acessos venosos periféricos/centrais, manguito para aferição de pressão arterial não invasiva e oxímetro de pulso também foram utilizados com frequência. A utilização dos dispositivos supramencionados resultou na elevada aplicação de adesivos hospitalares (esparadrapos, adesivos hipoalergênicos, filmes transparentes de poliuretano) para fixação. No que tange a essa categoria de material, salienta-se o uso eletrodos para monitorização não invasiva, indispensáveis na vigilância multiparamétrica de pacientes graves, como os acometidos pela COVID-19. Este panorama resultou em aumento substancial na solicitação de pareceres relativos às lesões por pressão (LPP) relacionadas a dispositivos médicos, lesões em membrana mucosa, como também lesões por adesivo. As localizações corporais mais observadas foram face, pavilhão auricular, narinas, lábios, coxas, glande, grandes lábios, coxas e tórax. Quando não associadas ao uso de dispositivos médicos ou adesivos, chamaram atenção novas topografia para ocorrência de LPP. Anteriormente à pandemia, eram acompanhadas com maior frequência pela equipe especializada no tratamento de feridas LPP em áreas de proeminências ósseas que possuíam contato com a superfície nos decúbitos dorsal (occipital, escápulas, colunas, sacra, ísquios calcâneos, cotovelos), lateral direito ou esquerdo (ombros, trocânteres, maléolos, orelhas). Contudo, em decorrência da adoção sistemática da posição prona na correção da hipoxemia provocada pela COVID-19, foi frequente o acompanhamento de lesões na posição ventral (tórax, abdome, mento, joelhos, região medial da perna). Ainda, relacionadas a gravidade dos quadros clínicos observou-se a ocorrência de lesões de terminalidade ou Skin Failure, as quais são inevitáveis e relacionam-se à insuficiência da pele na fase final da vida, a exemplo das lesões terminais de Kennedy e lesões de Trombley-Brennan. Além das particularidades das lesões acompanhadas durante a pandemia, é importante salientar os desafios enfrentados durante este período. Diante da criticidade dos pacientes, tornou-se ainda mais desafiadora a adesão da equipe de saúde às medidas preventivas de LPP. Outrossim, houve, pelas instâncias gestoras, direcionamento dos investimentos para aquisição de recursos essenciais no combate, tratamento e controle da COVID-19, o que refletiu diretamente no quantitativo de recursos humanos e materiais ao tratamento de outras condições de saúde, dentre as quais as lesões cutâneas. Não obstante, houve necessidade de reorganização de fluxos de atendimentos e manejo dos pacientes com feridas, com vistas às normas sanitárias vigentes para o controle e enfrentamento da COVID-19. Dentro das limitações impostas pela pandemia, destaca-se que a equipe de referência no tratamento de feridas permaneceu orientando seu trabalho a partir das necessidades do usuário e das feridas, mediante o uso de em guias assistenciais reconhecidos na área, bem como de evidências científicas. Salienta-se ainda que que o trabalho da equipe de referência no tratamento de feridas foi facilitado pela colaboração e comunicação com equipes assistenciais ao longo da pandemia, ambas estiveram comprometidas com recuperação, reabilitação, assistência segura e qualificada aos usuários. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender experiência de uma equipe de referência no tratamento de feridas durante a assistência aos usuários internados por COVID- 19, explicita a amplitude dos impactos da doença às pessoas acometidas. Ademais, fornece subsídios para lidar com panoramas de saúde desafiadores, como o enfrentado durante a pandemia, permite reconhecer fragilidades e potencialidades com vistas a melhoria dos processos de trabalho e qualidade da assistência em saúde.